Sinóticos - Diferenças e semelhanças


Todos os quatro relatos possuem o mesmo propósito básico, revelar Jesus, mas cada um foi escrito de um ponto de vista levemente diferente,  como que apelando para um público um pouco diferente. - Mateus (um ex-cobrador de impostos e um apóstolo de Jesus) estava escrevendo principalmente para os Judeus. Ele citou mais de cem passagens do Antigo Testamento e usou termos familiares aos judeus, como filho de Davi (Mateus 1:1). Ele representou Jesus como um Rei que veio para estabelecer o Seu reino, e colocou uma ênfase especial em Jesus como o Messias e escreveu sobre Seus ensinos, Seu reino e Sua autoridade. - Marcos (João Marcos do Livro de Atos, um jovem pregador da era apostólica) parece ter escrito para um público não-judeu, Ele eliminou assuntos de pouco interesse para os gentios, como as genealogias. Quando mencionou a tradição judaica, ele geralmente a explicou. Registrou a vida de Cristo conforme ele a ouvira de Pedro. Marcos parece ter se preocupado mais com o que Jesus fez do que com o que Ele ensinou, apresentou Jesus como um Servo, enfatizou os milagres de Jesus porque, neles, pode-se ver o amor e o cuidado do Senhor pelas pessoas. - Lucas (Dr. Lucas, que acompanhou Paulo em várias de suas viagens missionárias, incluindo a viagem a Roma) parece ter escrito para um público não-judeu. O relato de Lucas foi escrito para os intelectuais, e apresenta Jesus como Filho do Homem (Lucas 9: 10) e coloca ênfase especial na Sua humanidade perfeita. - João (um ex-pescador e o apóstolo camado) provavelmente foi escrito depois dos outros três e tem a sua própria ênfase especial. É às vezes chamado de Evangelho autóptico visão própria. João apresentou Jesus como Filho de Deus (João 20:31) e ressaltou Sua divindade.
Neste trabalho apresentaremos as diferenças e semelhanças dos evangelhos.


A palavra sinótico é utilizada para se referir aos Evangelhos Segundo Marcos, Mateus e Lucas, onde se encontra grande semelhança – daí o uso deste termo grego. Mas, desde quando é utilizado tal termo para estes Evangelhos? Benito Marconcini, em seu livro “Os Evangelhos Sinóticos – Formação, Redação e Teologia”, esclarece:
“O nome ‘sinótico’ foi dado aos escritos dos três primeiros evangelhos pelo pesquisador alemão J. J. Griesbach, em sua obra Synopsis evangeliorum [Sinopse dos evangelhos], publicada em Halle, em 1776. Com efeito, Mateus, Marcos e Lucas têm semelhanças e diferenças, a ponto de se tornar possível imprimi-los em três colunas e com uma visão simultânea (syn – hopsis).
Verifica-se assim que Marcos, Mateus e Lucas têm basicamente uma mesma estrutura, cronologia e geografia.
Há grandes semelhanças e podemos destacar blocos distintos de capítulos para o início da vida pública de Jesus após o batismo, para o ministério de Jesus na Galiléia, para o itinerário que Jesus fez da Galiléia até Jerusalém e a atividade de Jesus na própria Jerusalém.
 Assim temos:
Nº/0
Acontecimento
Mateus
Marcos
Lucas

01
Jesus inicia vida pública após o batismo
3:1 – 4,11
1:1-13
3:1 – 4:13
02
Ministério de Jesus na Galileia
4,12 – 18,35
1,14 – 9,50
4:14 – 9:50
03
Início da pregação
4:17 - começou a
pregar...
1:14 - proclamando
o evangelho...
4:14 - ensinava
nas sinagogas...
04
Primeiro milagre
8:1 – cura de
um leproso
1:21 – cura de um
endemoniado
3:33 – cura de um
endemoniado
05
Caminhada de Jesus
da Galiléia até Jerusalém
19 – 20
10
9:51 – 19:27
06
Jesus em Jerusalém
21 – 28
11 – 16
19:28 – 24:53

Assim observamos no quadro acima que Mateus e Marcos dão grande destaque para a atividade de Jesus na Galileia e que Lucas, por sua vez, destaca a caminhada de Jesus que parte da Galileia até chegar em Jerusalém. A teologia lucana é voltada toda para Jerusalém.
Conforme supra citado, encontram-se diferenças em blocos semelhantes nos três evangelistas sinóticos, por exemplo:
 Os relatos da infância: Marcos não tem;
                                                 Mateus narra dentro de uma perspetiva masculina, dando ênfase ao papel de José;
                                                 Lucas faz seu relato dentro de uma perspetiva feminina salientando a figura de Maria.
- As bem-aventuranças: Marcos não tem;
                                       Mateus relata oito bem-aventuranças (Mt 5:1-12);
                                      Lucas menciona apenas quatro bem-aventuranças (Lc 6:20-23).
- Genealogia: Marcos não apresenta;
                     Mateus remete até Abraão fazendo três grupos de 14 gerações (Mt 1:1-17);
                      Lucas relaciona setenta e sete nomes chegando até Adão (Lc 3:20-38).
- Jesus ressuscitado: Marcos e Mateus na Galileia ao passo que Lucas em Jerusalém.
- Parábolas da misericórdia: somente em Lucas (Lc 15).
Devido às datas de composições de seus evangelhos também fica patente a diferença quanto ao número de versículos que cada evangelho sinótico contém:


Até o século XIX o Evangelho segundo Marcos estava no esquecimento, um pouco deixado de lado. Os Pais da Igreja não tecem nenhum comentário sobre o Evangelho segundo Marcos.
As razões são as seguintes:
Pensava-se que o Evangelho de Marcos era uma síntese das atividades de Pedro, pois Pedro é uma figura com bastante destaque neste Evangelho, sendo descrito como uma pessoa sem mácula, é mostrado em Marcos como uma pessoa ideal. Até o Concílio Vaticano II acreditava-se que o Evangelho segundo Marcos era uma síntese do Evangelho segundo Mateus, e até este Concílio não se tinha a divisão das leituras dos Evangelhos nas liturgias dominicais como temos no presente
A posição atual:
Hoje se sabe que o Evangelho segundo Marcos é o Evangelho mais antigo, foi o primeiro a ser escrito e é o mais próximo do Jesus “histórico”. Os escritos de Marcos serviram de fonte para os Evangelhos segundo Mateus e Lucas.
O autor do evangelho sinótico mais primitivo é identificado pelo nome de Marcos que tem inúmeras citações nos Evangelhos e no livro dos Atos dos Apóstolos.
O evangelho de Marcos deve ter sido escrito por volta do ano de 65 d.C. aproximadamente, e provavelmente em Roma, pois utiliza muitas expressões latinas, chegando mesmo a nomear uma moeda de uso corrente em Roma (Mc 12,42: “quadrante”).


Na ordem dos textos, as Bíblias trazem o Evangelho Segundo Mateus como o primeiro escrito do Novo Testamento ainda que o mesmo não seja o escrito primitivo. Por que isto ocorre? Até o Concílio Vaticano II (1962-1965) o Evangelho de Mateus é o texto mais utilizado pela Igreja, o mais comentado desde o início do cristianismo pelos Pais da Igreja. Esta preferência deve-se ao fato de que neste evangelho se encontram alguns temas em que a Igreja se identifica imediatamente.
Hoje em dia é discutível a identificação do Evangelho de Mateus com o coletor de impostos que é relatado no próprio evangelho de Mateus, bem como por Marcos e Lucas (Mt 9:9 || Mc 2:13-14; Lc 5:27-28).
A data de redação do Evangelho Segundo Mateus é fixada pela maioria dos estudiosos por volta dos anos 80 d.C. até 90 d.C. baseando-se no interesse do autor em salientar uma estrutura de vida eclesial, o que deve levar a estes anos aproximados indicando uma data relativamente tardia.
A análise do texto de Mateus autoriza a afirmação de que o texto foi escrito para uma comunidade de origem judaica pois é uso comum numerosas citações e correlações com os textos da Tanak (a Bíblia Hebraica, que é composta por três partes distintas: a Torá (Lei), os Nebiim (Profetas) e o Ktuvim (Escritos).
A maioria dos estudiosos, baseando-se na data de composição, coloca como local provável de redação a cidade de Antioquia, ainda que São Jerônimo (347-420 d.C.) defenda a ideia de local de composição a Palestina tendo em vista os destinatários.


Há algumas ideias sobre o autor do terceiro evangelho canônico. É certo pelos exegetas que o autor do terceiro evangelho – Lucas – não fez parte do grupo dos Doze Apóstolos. Outros exegetas propõem a ideia de que Lucas possa ter feito parte do grupo dos setenta e dois discípulos enviados em missão (Lc 10,1-20). Admitindo-se esta hipótese há um problema que não pode ser desprezado: o evangelista Lucas não identifica nenhum dos setenta e dois discípulos. O relato da missão dos setenta e dois discípulos foi colocado para salientar a característica da universalidade de seu evangelho. Lucas é mencionado nas viagens do Apóstolo Paulo – a partir da segunda viagem – e aparece como uma espécie de “secretário” do Apóstolo dos Gentios (At 15, etc.). “Lucas aparece como amigo e companheiro de Paulo em Cl 4,14; 2Tm 4,11; Fm 24”. É comum a ideia de que Lucas tenha sido médico e esta informação pode ser corroborada verificando-se os relatos de milagres em que Lucas dá detalhes sobre as doenças quando ocorrem os milagres.
A fixação de datas para a composição dos textos bíblicos é sempre um problema sério, pois não é possível precisar a gênese dos escritos, podendo somente ser atribuídas datas aproximadas. O relato de Lucas não foge a regra geral e é estimada a composição “nas proximidades do ano 80 d.C. – se foi composto antes ou depois desta data, isso é impossível determinar.”
O quarto evangelho se distingue dos sinópticos por algumas características especiais.
Só destaca alguns atos de Jesus, pois a ênfase está nos discursos de reflexão e meditação que giram em torno da revelação de Deus em Jesus, do conhecimento de Deus e da fé naquele que está se revelando.
Nesses discursos encontramos uma linguagem peculiar que pode ser definida com mais exatidão. Aqui passamos a conhecer Jesus como filho de Deus, que tinha um relacionamento único e íntimo com o Pai no céu.
Uma discussão detalhada da questão da autoria se faz necessária porque dela dependem decisões sobre o valor histórico do quarto evangelho. No evangelho mesmo temos as seguintes informações: foi escrito pelo discípulo a quem Jesus amava (Jo 21.20-24). Esse discípulo estava do lado de Jesus na última ceia de Jesus com os seus discípulos (Jo 13.23).
No evangelho de João só encontramos dados sobre os recetores em formas de indicações. Dessas indicações e do contexto histórico só podemos tirar algumas conclusões.
Os destinatários estão nos círculos de leitores que haviam sido influenciados pela heresia do gnosticismo judaico. De acordo com João 20.31, o objetivo do livro é que os seus leitores creiam que “Jesus é o Cristo, o Filho de Deus.”
Possivelmente são pessoas que ainda não se tornaram cristãs e vivem no ambiente judaico influenciado pelo gnosticismo. Se devemos procurar esse ambiente no judaísmo helenístico da Diáspora ou no judaísmo da seita de Qumran, só a pesquisa exaustiva de Qumran vai poder responder.
Local e data
Quem confia plenamente na tradição da igreja antiga, vai aceitar a Ásia Menor, mais exatamente Éfeso, como local em que João escreveu esse evangelho. Quem tem uma posição crítica em relação a essa tradição, vai incluir outros fatores na reflexão, como a proximidade linguística com as Odes de Salomão e, sobretudo, com o ambiente linguístico semítico. Com base nessas observações, W. G. Kümmel chega à conjetura de que o evangelho tenha sido escrito na Síria.
Na segunda metade do nosso século os intérpretes do NT estão bastante unidos em torno da posição de que o quarto evangelho tenha sido escrito com muita probabilidade no final do primeiro século, provavelmente entre os anos 90 e 100. Nem sempre foi assim. No século passado houve uma disputa ferrenha entre conservadores e liberais sobre esse assunto.
Mas em que parte do primeiro século d.C. o quarto evangelho foi escrito? Alguns estudiosos argumentam a favor dos anos 90, pois creem que o autor já conhecia e fez uso do evangelho de Lucas, que, segundo a convicção de muitos autores do NT, foi escrito entre 80 e 90 d.C.


     Mateus, de fato, escreve para os judeus. No seu evangelho, Jesus é o Messias profetizado no Velho Testamento. Há 72 referências às profecias, sendo 43 verbais. De lugar em lugar, emprega a expressão: “Isto aconteceu para que se cumprisse...” Os fatos principais da vida de Jesus são por ele relacionados com o Velho Testamento. Na genealogia, Jesus é descendente de Abraão, o pai da raça hebreia.
     Marcos visa os gentios, os romanos. Não cita as profecias. Pelo menos não tem a preocupação de as citar. Jesus é, como bom romano, um homem de ação, de energia. Não tem tempo a perder. Logo na primeira página, o Herói já começa trabalhando, em pleno ministério. “E logo... e logo”, eis uma expressão usada 41 vezes no seu evangelho. Prático como os romanos, fala Jesus menos que age. O envagelho é lacônico (breve, sucinto): só tem 16 capítulos.
     III – LUCAS
     Lucas escreve para os gregos. O grego era a língua universal. Jesus é o Salvador de toda a humanidade. Ele não é descendente só de Abraão; é de Adão, o pai de toda a raça humana; é de Deus, o pai comum de todos [Lucas 3:8 – Produzi, pois, frutos dignos do arrependimento, e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar (fazer nascer) filhos a Abraão]. (Lucas 19:10 – Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o perdido) – eis a nota tônica (nota musical principal) do evangelho. Os gregos eram um povo intelectual: Lucas, que é médico e literato, emprega palavras clássicas. É um historiador meticuloso. Tece como que comentários filosóficos, procurando a razão das coisas. Seu estilo é animado e elegante.
     IV – JOÃO
     João olha para uma igreja organizada (Éfeso), em cujo seio aparecera germem de heresia, tendente a negar a divindade de Jesus. Por isso frisa a encarnação do Verbo divino e eterno.


Os Livros de Mateus, Marcos, Lucas e João são geralmente chamados de quatro Evangelhos, mas na verdade eles são quatro relatos de um  evangelho. Os três primeiros livros são geralmente chamados de Evangelhos sinóticos. Porque apresentam visões semelhantes de Jesus. O Livro de João pressupõe uma visão um tanto diferente dos demais. O relato de João provavelmente foi escrito depois dos outros três, por volta do ano 90 d.c., perto do fim do primeiro século. Todos os quatro relatos possuem o mesmo propósito básico revelar Jesus, mas cada um foi escrito de um ponto de vista levemente diferente, como que apelando para um público um pouco diferente.








NILTON, G. de Freitas. Evangelhos. Ed. 2008. Brasil, S. Paulo.
JÖRG, Garbers. Os Evangelhos Sinópticos: História e aspectos das questões sinóticas.Brasil 2014.
Tratado de teologia dos Adventistas do Sétimo Dia.
WHITE, Ellen. O Desejado de todas as Nações. CPB


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